Envolve um processo que se desdobra no tempo envolvendo duas ou mais pessoas cujas atitudes emocionais se encontram mais ou menos coordenadas ao longo do encontro.
Nesse processo de coordenação e sincronização, a fala de cada um se encaixa mutuamente em maior ou menor grau, de modo que a dupla ou o grupo encontra seu ritmo de conversação.
Diferentes mecanismos entram em ação durante a conversação. A atenção certamente é um deles. O grau em que a atenção é mantida na comunicação depende do interesse que ela atrai e das interferências que surgem no mundo mental de cada um.
Conhecemos bem o efeito de nossos próprios pensamentos que, quando carregados de emoção e excitação, invadem nossas mentes como filmes e diálogos imaginados sobre o passado ou futuro, gritando para serem ouvidos em nossas cabeças.
Mas a história pode ficar ainda mais complicada quando, devido a déficits de atenção, de natureza neurológica, fica impossível sustentar o foco em uma troca de mensagens um pouco mais longa.
Sem contar o efeito das mudanças sociais e culturais que o mundo digital nos trouxe, reduzindo cada vez mais a extensão das mensagens e o alcance de nossa atenção.
Déficit de Atenção
O déficit de atenção é uma comorbidade comum no espectro autista que, juntamente a um foco restrito de interesses, torna bastante complicada a recepção e processamento das mensagens que fluem nas conversas e relacionamentos.
Numa boa conversa é importante se conectar ao que o outro diz, demonstrando interesse e, ao mesmo tempo, revelando nossa experiência com o que está sendo dito.
Trata-se de um acoplamento entre a narrativa de duas pessoas. Se essa conversa for boa para as partes envolvidas, possivelmente terá oportunidade de voltar a acontecer em novos encontros.
Um relacionamento envolve etapas importantes a serem vencidas à medida que os parceiros aumentam o conhecimento mútuo.
Redução das Incertezas
A primeira dessas etapas é a redução das incertezas. As pessoas precisam saber dos interesses, das atitudes, humor e crenças do outro, precisam saber se existe um solo fértil para uma boa amizade ou relacionamento acontecer. Por isso, a conversação é tão importante, pois é a maneira com que nos conhecemos.
Se a conversação não tiver continuidade, não haverá o desenvolvimento do relacionamento. Muitas vezes essa etapa inicial envolve ansiedade, expectativas e interpretações que podem dificultar esse desenvolvimento. Mas, além disso, a habilidade de permanecer em conexão numa conversa depende também de processos automáticos que estão prejudicados no espectro autista.
São os processos que nos colocam sincronizados com o outro, que nos fazem sentir como se estivéssemos em sintonia com o que o outro sente e pensa. Pesquisas mostram que em condições normais de uma troca social, as pessoas sincronizam parcialmente seus comportamentos, o que lhes dá uma sensação de conexão em um fluxo natural de comunicação.
Pessoas do espectro autista apresentam maior dificuldade de conseguir esta sintonia e por isso precisam desenvolver estratégias para compensar o desafio da conexão com pessoas que desconhecem essas desvantagens. Muitas vezes acabam por criar roteiros rígidos que deveriam funcionar como regras de relacionamento, mas que acabam por engessar a flexibilidade adaptativa necessária ao contexto dinâmico da conversação.
Uma Boa Conversação
Realizar uma boa conversação é uma conquista complexa. Parece simples porque somos dotados de mecanismos automáticos que nos permitem sincronizar e coordenar com o outro de maneira direta, sensório-motora, sem precisar refletir sobre isso.
Mas e se precisássemos refletir sobre cada passo a ser dado nesse processo?
Levaríamos muito mais tempo e, possivelmente, perderíamos o ritmo das trocas. Deixaríamos passar sinalizadores importantes que nos afetam de maneira imediata e automática.
A percepção do outro precisa acontecer para que uma troca seja bem-sucedida para ambas as partes. Mas aqui, estamos falando da percepção do outro tomada diretamente, sem uso da reflexão, e que ocorre na presença também de um mundo interno repleto de pensamentos e sentimentos.
É nesse contexto que se insere o desafio para aqueles do Espectro Autista que, apesar de apresentarem habilidades cognitivas e intelectuais importantes, encontram obstáculos na aprendizagem da construção de relacionamentos e amizades.
Um projeto que se aproxime desse ideal deve levar em consideração elementos didáticos que eduquem sobre regras que são obtidas de maneira automática pela grande maioria das pessoas, estratégias compensatórias para lidar com a inacessibilidade de informações importantes na interação social, e um espaço de treinamento para a testagem de soluções sociais.
Por isso desenvolvemos o Grupo de Treinamento em Habilidades Sociais ..
Maurício Canton Bastos